Resenha sobre Tombo
De Cristian Duarte, Thelma Bonavita e Thiago Granato
Assistida dia 15 de março, na Galeria Olido
Por Arthur Moreau
Profa. Helena Katz
Artes do Corpo III – Indisciplinaridades
Abril / 2009
- Desafiar ao cair
Escreveu Nietzsche: “o prazer de vir-a-ser artista, a alegria da criação artística a desafiar todo e qualquer infortúnio, é apenas uma luminosa imagem de nuvem e de céu que se espelha sobre um lago negro de tristeza.” Esse pensamento se espelha duplamente de modo claro em relação à peça Tombo.
A primeira visão é de que a Galeria Olido, que é administrada pela prefeitura de São Paulo, não cobra absolutamente nada para que o público possa assistir apresentações de artistas profissionais. Isso desvaloriza esse trabalhador, visto cada vez mais como um aventureiro num lago desimportante para a fauna cultural da sociedade. E também o produto oferecido é descaracterizado como experiência a ser cultivada na sua duração, afinal, como é gratuito, é muito mais facilmente descartado.
Esse serviço de oferta trata-se de um desserviço ao valor que a cultura pode promover. Política essa que serve muito bem como publicidade superficial aos responsáveis. Ou seja, para quem não é da área e toma conhecimento desse tipo de procedimento, pode parecer, ainda mais com o tom magnético que os políticos são treinados em promover, muito interessante e democrático.
Porém, mesmo com os pesares, reconhece-se a (segunda) visão de que o trio Thelma, Cristian e Thiago continuam a manter uma curta tradição de mostrar trabalhos com um alto poder de síntese. Eles transmutam discussões pertinentes tanto à dança quanto à filosofia, costume esse muito comum a muitos grupos de dança contemporânea do Ocidente.
Na peça em questão, os movimentos brincam com a noção de sentido, dos seus significados. É uma dança que se utiliza de um visual fotográfico simples nos objetos, na iluminação, no figurino, nos movimentos. As ações são monocórdias, ralentadas ou estagnadas mesmo. A percepção tem a possibilidade temporal de se acomodar a elas. Contudo, o ritmo moroso, as execuções simples e a postura serena dos dançarinos é inusual. A platéia, numa aparência de imobilidade, fica, por vezes, com características semelhantes às do que se é apresentado. Isso é um possível vínculo de uma aproximação rara.
Nosso cotidiano tem lugares que são pouco reparados. A repetição e a alta velocidade são armadilhas para a atenção às percepções novas, ao “de novo”. Afinal, nada se repete. Um retorno é tornar novo o que aparentemente não é. Todavia, está novo. Só que costumamos fazer o contrário: o que é novo e tem potencial, tornamos velho e disciplinante. Os sentidos ficam tristes numa lagoa que nunca está parada: a água que está mais quente sobe, e a que está mais fria, desce; a vida vem e vai em toda a cadeia alimentar que se baseia nesse ambiente.
A vida tem e não tem sentido. Muitos dos sentidos nos são colocados de maneira subliminar. Entender (minimamente) e reagir (maximamente) a eles, de acordo com certos parâmetros, faz parte de aceitarmos e mantermos o status quo. Isso é um perfil de rebanho. Dialogar com o cotidiano próximo, nosso café com leite de todo dia, é um infortúnio que emerge para incomodar e, quem sabe, nos alterar. A reflexão depende muito da instigante luz que vem daquilo que, mesmo que a princípio, não tem sentido. A imagem de um tombo deve poder ganhar e pagar uma virada de jogo.